Durante a minha adolescência e até certo ponto da minha vida adulta eu desenvolvi uma skin de “diferentona”. Basicamente eu queria expor uma imagem de pessoa que não gosta de ninguém nem de nada, pelo menos de nada que me fizesse ser parecida demais com pessoas ao meu redor. Muitas vezes fui propositalmente a chata do rolê. Não que eu não seja chata hoje em dia, mas não é de propósito. Na maioria das vezes não é de propósito.
Aos poucos fui tomando consciência de que eu emulava uma personalidade “casca grossa” pra não demonstrar o quanto eu sou sensível, chorona, emotiva… A última coisa que eu queria era parecer frágil. Sabe-se lá de onde eu tirei a ideia de que as pessoas se aproveitariam de mim, ou me machucariam se eu demonstrasse vulnerabilidade (talvez do bullying e do machismo, mas quem sabe né?).
Mais recentemente comecei a pensar que outras coisas colaboraram para a construção dessa personagem. E o resumo é a moral daquela fábula da raposa e as uvas: “Quem desdenha, quer comprar.” Ou seja, muitas vezes minha suposta aversão a algo vinha de um desejo recalcado de participar daquilo que por algum motivo eu não podia. Vamo tentar entender. Eu sou péssima lidando com frustrações. Qualquer coisa que eu quero e não tenho, ou planejo e não consigo me deixa pior do que eu mesma acho racionalmente aceitável. Então melhor me convencer que eu não fiz, ou tive algo porque eu não quis mesmo, porque eu sou diferente, porque sou chata, porque “não sou todo mundo”.
Então eu não gostava de moda, mas na verdade eu não tinha dinheiro pra andar na moda. Eu não gostava de festas, mas na verdade minha mãe não me deixava ir. Eu não gostava de dançar, mas na verdade eu tinha vergonha por ser gorda. Eu não gostava de paquerar, mas na verdade eu não queria ter que lidar com rejeição.
A medida que fui ficando mais velha fui me abrindo mais e me permitindo experimentar as coisas que eu tinha vontade. Um pouquinho de dinheiro na conta me permitiu passar por diferentes fases de estilo. Passar dos 18 anos me permitiu conhecer o mundo das festinhas. Ter mais auto estima me fez descobrir que eu amo dançar. Me permitir beijar várias pessoas numa noite me fez gostar de paquerar (mesmo que até hoje eu seja péssima de flerte).
Eu poderia passar horas listando as coisas que eu “não gostava” quando era adolescente e descobri que eram até bem legais quando adulta, eu só precisava de permissão para gostar daquilo, seja essa permissão, dos meus pais, da sociedade (ou do capitalismo), ou minha mesmo. Mas tem mais uma coisinha que eu queria falar.
Ultimamente tem se popularizado na internet o termo FOMO (Fear of Missing Out, em tradução livre, medo de estar perdendo) que é exatamente essa vontade que a gente tem de fazer parte daquilo que está todo mundo fazendo. Essa vontade se torna tão exagerada que a gente tem medo de ficar de fora dos eventos e das conversas do momento. É não querer ser o “diferentão” que nunca foi àquele bar que todo mundo vai, nunca ouviu a banda que todo mundo ama, não viu o filme que todo mundo viu… É basicamente rejeitar o milenar ensinamento passado de pais para filhos: “Você não é todo mundo.”
Também pudera, tenta dizer que você tá cansado, com dor nas costas, sem dinheiro, triste, ou reclamar de qualquer coisa na sua vida… Vai aparecer alguém pra te dizer que todo mundo tá assim, que todo mundo passa por isso. Ah, então pra isso eu sou “todo mundo”? Então eu também quero ser para as coisas legais da vida, ué.
O problema é a crise de identidade: Eu precisava mesmo ter enchido a cara tantas vezes, ou eu fiz isso porque pra todo mundo do meu ciclo beber muito era legal? Eu precisava mesmo ouvir músicas de gosto tão duvidoso por “amar música ruim” ou eu só queria não ser a única a não reconhecer a música quando ela tocasse no rolê? Já me peguei até dizendo que precisava ir num pagodinho, sendo que se o pagode for dos anos 2000 pra cá é bem capaz de ter zero apelo pra mim.
Eu tive uma crise completamente desproporcional ao fato de que eu não conseguiria sair neste carnaval. E, tudo bem que eu perdi shows que eu queria muito, muito mesmo ver, e que show é meu tipo de rolê favorito, mas por que perder isso me deixou tão mal? É só meu problema em lidar com frustrações? Ou será o FOMO do carnaval?
Olha que doideira, eu amo shows, mas a festa carnaval em si nunca foi muito minha praia. Tenho pavor de bloco de rua. Já é difícil lidar com multidões, imagina essa multidão suada e bêbada em baixo do sol… Dá dor de cabeça só de pensar. Mas rolar feed e ver stories é um veneno. Ver que todo mundo tá se divertindo horrores, e você não, dá muita angústia. Então, talvez eu pudesse participar só um pouquinho, só da parte que eu gosto, que é a música. Esta pouca participação provavelmente já me faria me sentir minimamente pertencente ao mesmo mundo de praticamente todas as pessoas que eu conheço.
Aqui estava eu chorando por não poder ir aonde eu queria, do jeito que eu chorava quando era adolescente e meus pais não me deixavam fazer algo. Do jeito que eu não queria chorar, então fingia que não me importava porque “eu não queria mesmo.” Por que eu sou assim?
Então é isso, esse texto ficou enorme, então obrigada por ler até aqui. Até mais!
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Me indentifico pra caralho